quinta-feira, abril 10, 2008

Ascenção dos Cavaleiros



No tempo de Carlos Magno, os guerreiros montados tornaram-se a unidade militar de elite dos francos e essa inovação espalhou-se pela Europa. Lutar a cavalo era mais glorioso pois o homem montado cavalgava em direcção à batalha, movia-se rapidamente e atropelava os inimigos de classe baixa a pé.
Quando a cavalaria enfrentava outra cavalaria, o ataque em velocidade e o contacto resultante era violento. Lutar montado era prestigioso por causa do alto custo dos cavalos, armas e armaduras. Somente indivíduos abastados, ou os serventes dos ricos, podiam lutar a cavalo.
Reis do fim da Idade Média tinham pouco dinheiro para pagar por grandes contingentes de cavalaria, a qual era cara. Guerreiros eram feitos vassalos e recebiam feudos. Esperava-se que eles utilizassem os lucros com a terra para comprar cavalos e equipamentos. Em muitos casos, vassalos mantinham grupos de soldados profissionais.
Num tempo no qual a autoridade central era fraca e as comunicações pobres, o vassalo, auxiliado por seus serventes, era responsável pela lei e pela ordem no feudo. Em retorno pelo feudo, o vassalo concordava em prover serviço militar para seu lorde. Dessa maneira, grandes lordes e reis eram capazes de levantar exércitos quando desejassem. A elite desses exércitos eram os vassalos a cavalo.
No decorrer da Idade Média, os membros da elite dos guerreiros montados de Europa Ocidental tornaram-se conhecidos como cavaleiros. Desenvolveu-se um código de comportamento, as regras de cavalaria, o qual detalhava como eles deveriam se conduzir. Eles eram obcecados pela honra, tanto na paz quanto na guerra, embora principalmente quando se relacionavam com seus iguais, não com os plebeus e camponeses, os quais constituíam a maior parte da população.
Os cavaleiros se tornaram a classe dominante, controlando a terra da qual provinha toda a riqueza. Os aristocratas eram nobres originalmente por causa de seu status e prestígio como guerreiros supremos num mundo violento. Posteriormente, seu status e prestígio passaram a se basear na hereditariedade e a importância em ser um guerreiro declinava.

quarta-feira, abril 09, 2008

A Cavalaria Medieval


A Cavalaria na Idade Média era constituída pelos cavaleiros nobres (miles), homens que os senhores das terras eram obrigados a apresentar (lanças), os escudeiros, cavaleiros das ordens religiosas e dos concelhos (também conhecidos por «cavaleiros-vilãos»).

Cada lança, constituía uma fila formada pelo seu chefe, designado por homem de armas, pelo seu escudeiro, pelo pagem, dois arqueiros a cavalo ou besteiros e por um espadachim. Cinco ou seis filas formavam uma bandeira, subordinada a um chefe. E um certo número de bandeiras constituía uma companhia de homens de armas.

Os monges guerreiros das Ordens militares do Templo, dos Hospitalários, de Calatrava (mais tarde Ordem de Avis) e de Santiago de Espada desempenharam um papel muito importante nas lutas das Cruzadas.

O grão-mestre de cada Ordem exercia o comando supremo destas milícias permanentes em que serviam de oficiais, os cavaleiros professos e de soldados, os servos e os lavradores das terras destas ordens monástico-militares.

Também lhes competia o tratamento de doentes e de feridos e, mesmo em tempo de paz, praticavam regularmente exercícios de adestramento militar. Competia-lhes defender as regiões fronteiriças, onde se instalavam castelos que constituíam a guarda avançada dos cristãos frente às terras dos muçulmanos.

Contrariamente aos outros militares, os monges guerreiros não recebiam remuneração, tendo de viver dos rendimentos próprios das suas ordens.

Nesta composição da cavalaria das hostes, ocupavam, no último lugar, os peões, isto é, os que possuíam propriedades de menor valia. Obrigados ao serviço militar, os cavaleiros-vilãos não recebiam remuneração por essa actividade, mas as suas terras ficavam isentas do imposto de jugada. Tais cavaleiros eram equiparados aos nobres infanções e ainda eram dispensados do pagamento de direitos de portagem. Também nas anúduvas não tinham de executar trabalhos braçais. Dirigiam, sim, o trabalho dos peões. Estes últimos pagavam a jugada.

terça-feira, março 18, 2008

CULTO DO DEVER



Mousinho há pouco assentara praça.
Fizera-o por instinto e vocação
Seguindo o exemplo dos da sua raça:
- Tudo por Deus, pelo rei e pela Nação.

Um dia, a avó velhinha – enfraquecida
Menos pela doença do que pela saudade
Doutro soldado, ao qual ligara a vida
Desde os tempos da clara mocidade -,

Mandou-o chamar e disse-lhe: - “Joaquim:
Guardo do teu avô, como sagrada
E suprema relíquia para mim,
A Condecoração da Torre e Espada.

Ganhou-a pela Pátria, altiva e bela,
P’la qual tombou no campo do dever
Honrando o nome, pois morrer por Ela
É a honra maior que pode haver!

Essa relíquia, sempre vida fora
Me acompanhou, tal como a Dor e a Prece.
Hoje, porém, sinto chegada a hora
De lhe dar o destino que merece.

Por isso te chamei; para ver perfeito
O velho e lindo sonho que vivi...
És um soldado. Quero-a ver no teu peito.
Podes levá-la, filho. É para ti.

“Mas... minha avó – articulou o moço
Olhando a nobre insígnia do valor
Da lealdade e mérito – eu não posso
Usá-la... bem o sabe... Com amor

Mas dando à voz um excepcional poder
De sugestão, ela vibrou, baixinho:
- “Pois faz por ganhá-la. É o teu dever
Por que, além de soldado, és um Mousinho”.

Esta história tão simples na aparência,
Que enche as almas de luz e que faz bem,
Quem poderá dizer qual a influência
Que operou no espírito do herói? Ninguém.

Mas Deus sabe, no avanço de Coolela
Na jornada feliz de Manjacaze,
Quantas vezes Mousinho pensou nela;
Que poder teve nessa estranha fase

Da sua vida de guerreiro audaz,
A cujo engenho valoroso e sério
Devemos o prestígio, a glória, a paz
Em todo o território do Império!

Quem há que não conheça em Portugal
O que foi a prisão de Gungunhana,
Levada a efeito no seu próprio Kraal
Com cinquenta homens, causa sobre-humana?!

Chaimite, povoação de simples planta
Erma e silente, como sem ninguém,
Era uma espécie de cidade santa
Dos vátuas, entre morros de muchem.

O Gungunhana ali se recolhera
Com mais de três mil negros insubmissos,
Seguro de vencer quem o vencera
Depois de praticar certos feitiços...

E foi ali nesse lance de temor
Que ainda hoje assombra os mais ousados,
Que o valente Mousinho o foi prender
À frente dos seus homens, mal armados.

Depois deste alto feito de Chaimite
Podia usar, enfim, a Torre e Espada,
- Prémio dado aos heróis, quase limite
Da glória militar tão desejada!

Podia-a usá-la, firme de que tinha
Honrado o nome ilustre, e satisfeito
A última vontade da velhinha
Que lhe dissera: - “Quero-a no teu peito!”

Ela, do céu, devia ter seguido
O rasto dos seus passos pelos caminhos
Da terra e, um sorriso agradecido
Por certo que em seus lábios mirradinhos

Pairou, nesse momento de ventura!
E Mousinho, o soldado de Coolela
E de Chaimite, exemplo de bravura
- Com certeza vibrou pensando nela!

Há sempre um encanto raro, excepcional
Oculto sob as páginas da História
Do nosso bem-amado Portugal!

Esse mistério é que conduz à glória,
Vezes sem conto, o português fecundo
Em rasgos de ternura e de nobreza.

Bendito seja Deus que fez o mundo
E pôs, no mundo, a gente portuguesa!

Silva Tavares
in A.G. do Ultramar de Fevereiro de 1936, “Dia de Mousinho”

quinta-feira, dezembro 27, 2007

SER CAVALEIRO


Ser Cavaleiro,
É ser, em tudo e entre todos, o primeiro;
Ser grande e generoso – por seu próprio valor,
Ser o melhor.

É dar-se todo em vida
Religiosamente,
Em inteira bondade
E leal dignidade,
Estremecida E completamente;
Mas dar-se para sempre, de todo, numa só vez,
Com honra e altivez.

Sem sombras de arrogância
Nem ares de petulância;
Naturalmente.
- Até com humildade.

É viver esta vida na verdade,
Mão a mão
De todo o coração;
Ao perigo olhar de vante
- Nem perigo para ele há.

Sofrer sua dor,
A dor da sua alma,
Mesmo que injusta, horrível, atroz, dilacerante,
Com resignação e calma,
Em paz e com amor,
Tranquilamente.
- E devotamente.

E sempre sem temer,
Com pronta decisão,
Todo o risco correr.
- Mas que risco haverá,
Em vida tal,
Tão simples de viver?

Lutar, quebrar, matar,
Galopar, avançar,
Sempre e sempre prá frente,
Deliberadamente,
No sublime ideal
Da sua confissão.

Porventura morrer.
- Mas que pouca importância
Isso de morrer tem,
Desde que seja bem,
Com honra e elegância?

Perder assim a vida,
Em nobre galopar,
Na altura devida,
Dá-la,
Sem hesitar,
Honradamente
E honrosamente,
É ganhá-la.

A essência – é morrer bem,
Sem vaidade nem desdém,
Cair altivo de amor,
Sem tremer e sem temor;
Morrer assim, valor tem;
Isso sim, é que é morrer
Isso sim, que tem valor.

Ser Cavaleiro…
Ungido pelo mui nobre oitavo sacramento,
Guardando-o para sempre, da alma no mais fundo,
Como o solene e imperativo mandamento,
Sacro, supremo, altíssimo, profundo;

Tê-lo sempre presente,
Ficar com ele deveras vinculado,
Imaculado
Eternamente;
Mesmo pr’além da vida ter passado,
E da morte chegar

E da morte passar.
- Que a morte também passa;
O que não é a graça,
Em vida recebida,
Do juramento dado.

Ser Cavaleiro…
Ser tudo o que no mundo de bom se possa ser;
Nada ter, na alma ou no sentir,
Do que de mau, de baixo, de mentir,
De vil ou de mesquinho possa haver.
Ser pobre;
Mas ser nobre.

E apóstolo, talvez o derradeiro,
O último na esperança desta fé;
Sempre de pé.
De pé,
Nas asas da vitória
E na desventura do perder;

De pé,
Nas sendas da glória,
Nesta linda aventura do viver
E do morrer;

De pé,
Na doce santidade,
Desta simplicidade
De bem-querer;

De pé, sempre de pé,
Na íntrega fidelidade
A esta imensa fé,
Que é certeza,
Na sua singeleza.

E é isto que
Perante tudo o que existe
E há-de vir a haver,
Em tudo o que ficar
E em tudo o que passar;

É nisto que consiste,
No ser e no não-ser
Deste sonho altaneiro,
A virtude maior,
A virtude sem par,
A honra deste amor,

SER CAVALEIRO…

Serpa Soares

sexta-feira, outubro 13, 2006

CARTA DE MOUZINHO AO PRINCIPE D. LUIS FILIPE

Meu Senhor: Quando Vossa Alteza chegou à idade em que a superintendência da sua educação tinha que ser entregue a um homem, houve por bem El-Rei nomear-me Aio do Príncipe Real. Foi Sua Majestade buscar-me às fileiras do Exército. Não escolheu por certo o militar de mais valor, mas simplesmente aquele a quem uma série de acasos felizes mais ensejo dera de provar que sabia, custasse o que custasse, obedecer ao que lhe era ordenado e que também sabia, doesse a quem doesse, fazer cumprir as ordens que dava. Não por certo a Vossa Alteza como filho e como súbdito, e menos a mim como soldado, compete apreciar e criticar as determinações de El-Rei. A Vossa Alteza como a mim, deu Sua Majestade uma ordem, a ambos nós cumpre obedecer-lhe e nada mais. Mas para bem lhe obedecer não basta ver-lhe a letra, é necessário estudá-la, descortinar-lhe o espírito. Escolhendo um soldado para vosso Aio, que fez El-Rei? Subordinou a educação de Vossa Alteza ao estado em que se acha o País. Nesta época de dissolução, em que tão afrouxados estão os laços da disciplina, entendeu Sua Majestade que Portugal precisava mais que tudo de quem tivesse vontade firme para mandar, força para se fazer obedecer. E como ninguém pode ensinar o que não sabe, o que não tem praticado, foi El-Rei procurar o vosso Aio à classe única em que se encontra quem obedeça sem reticências e mande sem hesitações. Por esse motivo, o primeiro dos meus deveres é fazer de Vossa Alteza um soldado. É Vossa Alteza Príncipe, há de ser Rei; ora, Príncipe e Rei que não comece por ser soldado, é menos que nada, é um ente híbrido cuja existência se não justifica. Há poucos anos andava pela Europa, num exílio vagabundo de judeu errante, um Imperador que num momento de crise esqueceu que o seu título vinha do latim "Imperator", epíteto com que se saudavam os vencedores, e que se não vence sem desembainhar a espada -- sine sanguine victoria non est. Por um erro igual já subiu um Rei ao cadafalso e outros foram despedidos do trono para o exílio sempre doloroso e humilhante. Príncipe que não for soldado de coração, fraco Rei pode vir a ser. O que foram na verdade os Reis primitivos? Guerreiros audaciosos que os companheiros de armas levantaram nos escudos acima das suas cabeças. E o que foi o maior dentre os Reis, aquele cujo nome ribomba como um trovão na história deste século? Um militar ambicioso que, elevado ao Império pelos seus soldados, não se deu por contente enquanto não pôs o pavês que o levantara em cima das costas dos outros Reis da Europa que lhe serviram de pés ao trono. E entretanto, a despeito da sua incomparável grandeza de ânimo, a despeito das qualidades únicas de mando com que a Providência o dotara, talvez para castigo de muitos, por certo para exemplo de todos, caiu esse colosso e o grande Imperador foi derrubado por esses mesmos que tanta vez vencera. Faltava-lhe a tradição da Monarquia, da linhagem Real, que cimenta e consagra a autoridade dos Reis legítimos. Mas nessas mesmas linhagens Reais só foram grandes os que souberam lançar mão da espada sempre que lhes foi necessário. Por isso, repito, primeiro que tudo tem Vossa Alteza que ser soldado. Aprenderá a sê-lo na história de seus avós. Este Reino é obra de soldados. Destacou-o da Espanha, conquistou-o palmo a palmo, um príncipe aventureiro que passou a vida com a espada segura entre os dentes, escalando muralhas pela calada da noite, expondo-se à morte a cada momento, tão queimado do sol, tão curtido dos vendavais como o ínfimo dos peões que o seguia. Firmou-lhe a independência o Rei de "Boa Memória", que tantas noites dormiu com as armas vestidas e a espada à cabeceira, bem distante dos regalos dos Paços Reais. E para a formação de vossa Casa concorreu com o ele o mais branco dos seus guerreiros, que simbolizou e resumiu em si quanto havia de nobre e puro na História Medieval, um herói e um santo. Mais tarde o Príncipe Perfeito, depois de haver mostrado que sabia terçar lanças em combate com o melhor dos cavaleiros, depois de haver abatido de vez todas as cabeças que se erguiam por demais altivas perante a Coroa Real, deu pela força da sua vontade de ferro um impulso de tal ordem às nossas naus, que foram ter ao Cabo da Boa Esperança, abrindo a Portugal o caminho por onde chegou ao apogeu da glória. Soldados, se lhes pode bem chamar a estes, porque tiveram o desapego da vida, a força do mando, a obediência cega àquilo que acima de tudo deve imperar nos Reis -- a ideia fixa e pertinaz da glorificação do seu nome e da grandeza do Reino onde Deus os fez os primeiros de entre os homens. Para não ser injusto nem ingrato, não deve Vossa Alteza lembrar-se somente dos felizes porque nem só eles foram soldados. Houve um Rei de Portugal que, não podendo ser vencedor, soube morrer herói. Não tendo alcançado a vitória ambicionada, procurou a morte gloriosa. "A liberdade Real só se perde com a vida", foram as últimas palavras que se lhe ouviram e do cativeiro infamante salvou-o a morte, única libertadora invencível porque não há algemas que prendam um morto. Errou, é certo, mas a morte de valente, expiatória e heróica, redime os maiores erros. Bem merece ele o nome de soldado, bem estudada e meditada deve ser a sua História, porque pelo estudo e pela meditação se formam as almas e a alma de um Príncipe para tudo deve estar temperada, até para as maiores desgraças. Soldado também e como poucos, foi D. Pedro IV. Trabalhou e combateu como soldado e teve a audácia precisa nos lances decisivos, a resignação estóica nas mais dolorosas crises, a presença de espírito nas situações mais difíceis, a decisão rápida e pronta para aproveitar as vitórias. E tanto se lhe enraizaram na alma os brios de soldado que, quando se viu insultado, apupado sem poder desembainhar a espada que tão bem o houvera servido, estalou de dor. As chufas com que o populacho cobarde e ingrato lhe pretendeu enlamear a farda, foram-lhe direitas ao coração, mataram-no. Estude Vossa Alteza a História desses seus Avós. Leia-a, relei-a, medite-a, estude-a, meta-a bem na cabeça e no coração. Na convivência deles aprenderá Vossa Alteza a ser como eles, forte, justo, simples e verdadeiro. E bem compenetrado do que eles fizeram, conhecendo-lhes a vida dia a dia, sentirá Vossa Alteza que deles vem, que é um deles. Assim sonhará com futuros de glória que se assemelhem a esse passado de grandeza, e sonhar assim é uma felicidade e uma força. Triste do homem que só cuida do presente, que só preza a intimidade dos vivos. Pobre daquele que precisa adormecer para sonhar com o futuro. No olhar saudoso para o que já passou, no imaginar o que há de vir se vai formando a alma, se lhe vão apurando as qualidades, desenvolvendo a força. E chegada a ocasião de as aproveitar, de as pôr em acção, cai-se-lhe em cima como o milhafre sobre a presa e não se deixa escapar. A ciência da vida assemelha-se à arte da guerra, em que numa e noutra é mais preciso que tudo aproveitar as ocasiões e para o fazer é necessário o exercício constante, a trenagem; ora, o estudo e a meditação constituem a trenagem do espírito. Nasceu Vossa Alteza numa época bem desgraçada para este País. Foi talvez um favor de Deus porque mais na desventura que na felicidade se prova a força do carácter. Em todo o caso é bem certo, meu Senhor, que a vossa história tem sido muito triste porque, convença-se bem Vossa Alteza, os Príncipes não têm biografia, a sua história é, tem de ser a do seu povo. Nessa história, entretanto, há algumas páginas que Vossa Alteza pode ler sem que lhe corem as faces de vergonha, sem que lhe subam aos olhos lágrimas esprimidas do coração triturado de humilhações. Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na história do Portugal contemporâneo, escrevêmo-las nós, os soldados, lá pelos sertões da África, com as pontas das baionetas e das lanças a escorrerem sangue. Alguma coisa sofremos, é certo; corremos perigos, passámos fomes e sedes e não poucos prostraram em terra para sempre as fadigas e as doenças. Tudo suportámos de boa mente porque servíamos El-Rei e a Pátria, e para outra coisa não anda neste mundo quem tem a honra de vestir uma farda! Por isso, nós também merecemos o nome de soldados; é esse o nosso maior orgulho. Tudo é pequeno neste nosso Portugal de hoje! O mar já não é curral das nossas naus, mas sim pastagem de couraçados estranhos; foram-se-nos mais de três partes do Império de além-mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro. Não tiveram, portanto, as guerras em que agora temos andado, o brilho épico dos feitos dos nossos maiores. Mas no campo restrito em que operámos, com os poucos recursos de que dispúnhamos, não fizémos menos nem pior do que outros bem mais ricos e poderosos. A que devemos este resultado? A que no homem do povo em Portugal ainda se encontram as qualidades de soldado: a resignação, a coragem fria e disciplinada, a confiança nos superiores e, mais que tudo, a subordinação. E é preciso que Vossa Alteza, soldado por dever e direito de nascimento, se possua bem da ideia de que a subordinação é a primeira de entre as virtudes militares. Já a tenho ouvido alcunhar de renúncia da vontade. Ora, ninguém como o soldado carece de força de vontade, porque mais que em coisa alguma se demonstra ela na prática da obediência. Renunciar ao capricho, ao egoísmo, à indolência, a tudo quanto o vulgar dos homens mais aprecia e estima, ter por único fim servir bem, por único enlevo a glória, por único móvel a honra e a dignidade, não é renúncia da vontade. E se nós que somos soldados somente desde o dia em que nos alistámos e podemos voltar à classe civil de onde saímos, precisamos para tudo de muito querer e saber querer, quanto mais um Príncipe para quem nascer foi assentar praça e que só pode ter baixa para a sepultura! De vontade e vontade de ferro precisará Vossa Alteza no duro mister para que Deus o destinou. Houve Reis, meu Senhor, que para desgraça dos seus povos adormeceram no trono em cujos degraus haviam nascido e nesse dormir esqueceram a missão que lhes cumpria desempenhar. No fim do século passado, o povo francês sacudiu-os de forma tal que os deveria ter acordado para sempre e, desde então, Príncipe que dormitasse no trono acordava no exílio. Assim deve ser. Castiga-se a sentinela que se deixa vencer pelo sono e o Rei é uma sentinela permanente que não tem folga porque, nomeado por Deus, só Ele o pode mandar render e então envia-lhe a morte a chamá-lo ao descanso. Enquanto vive tem o Rei de conservar os olhos sempre bem abertos, vendo tudo, olhando por todos. Nele reside o amparo dos desprotegidos, o descanso dos velhos, a esperança dos novos; dele fiam os ricos a sua fazenda, os pobres o seu pão e todos nós a honra do país em que nascemos, que é a honra de todos nós! Para semelhante posto só pode ir quem tenha alma de soldado. Porque ser soldado não é arrastar a espada, passar revistas, comandar exercícios, deslumbrar as multidões com os doirados da farda. Ser soldado é dedicar-se por completo à causa pública, trabalhar sempre para os outros. E para se convencer, olhe Vossa Alteza para o soldado em campanha. Porventura vê-o só a marchar e a combater? Cava trincheiras, levanta parapeitos, barracas e quartéis, atrela-se às viaturas, remenda a farda, cozinha o rancho e o que tem de seu trá-lo às costas, na mochila. Desde os misteres mais humildes até ao mais sublime, avançar de cara alegre direito à morte, tudo faz porque todo o trabalho despido de interesse pessoal entra nos deveres da profissão. Trabalho gratuito, sempre, porque o vencimento do militar, seja pré, soldo ou lista civil, nunca é remuneração do serviço, por não haver dinheiro que pague o sacrifício da vida. É assim que, por mais que espíritos desorientados tenham querido obliterar as tradições de honra do Exército, a profissão entre todas nobre, foi, é e há de ser sempre a militar porque nela se envolve tudo que exige a anulação do interesse individual perante o da colectividade. É por isso que ninguém como o Rei tem de se esquecer de si para pensar em todos, por isso que ninguém como Ele tem de levar a abnegação ao maior extremo, ninguém como ele precisa de ser soldado na acepção mais lata e sublime desta palavra, soldado pronto da recruta em todas as armas, instruído em todos os serviços, desde o de cavalaria que, numa galopada desenfreada através de uma saraivada de balas, vai completar com a carga a derrota do inimigo, até ao do maqueiro que vai buscar os feridos à linha de fogo, ao enfermeiro que deles cuida na ambulância. Tão bom Rei, tão bom soldado foi D. Pedro V nos hospitais, como outros nos campos de batalha, porque a coragem e a abnegação são sempre grandes e nobres, seja onde fôr que se exerçam, e tudo que é grande e nobre é próprio de Rei e de soldado. Não faltará ensejo a Vossa Alteza de revelar aquelas qualidades. Não lhe escassearão por certo provações e cuidados, revezes que trazem o desconforto ao espírito, lances dolorosos que desconsolam da vida. Para todos eles carece Vossa Alteza de estar preparado, temperado pela educação, pelo estudo dos bons exemplos, pela firme vontade de vir a ser um Príncipe digno desse nome e do da sua Casa. E para ser Príncipe é preciso primeiro que tudo ser Homem. Se para descanso de seu espírito vaticinasse a Vossa Alteza um futuro risonho de despreocupações e gozos, faltaria por completo ao meu dever. Ao escolher-me para vosso Aio, disse-me El-Rei: "Faze dele um homem e lembra-te que há de ser Rei". Proporcionando a Vossa Alteza o conhecimento do que fizeram em África os seus mais leais servidores, apontando-lhe com seu exemplo, procurando temperar-lhe a alma para as mais duras provas por que pode vir a passar, não faço mais que cumprir as ordens de El-Rei e procurar, como tenho sempre feito, corresponder à confiança de Sua Majestade. A Vossa Alteza cumpre realizar as esperanças de seu Augusto Pai e nosso Rei, as esperanças de todos os Portugueses. Que Deus o guie e proteja nesse difícil e glorioso caminho, é o mais ardente voto do Seu Aio muito dedicado

Joaquim Mouzinho

sexta-feira, maio 12, 2006

A CAVALARIA EM PORTUGAL


Mais do que uma forma de prestar uma determinada função militar, à Cavalaria sempre esteve associada, desde a Antiguidade, a ideia de uma Ordem espiritual, que assim a distinguia das restantes exigências da arte militar. Prática geralmente limitada à nobreza de uma sociedade - até por razões de ordem económica - a Cavalaria impunha todo um conjunto de rituais para os iniciados e um rígido código de valores que acentuavam o seu carácter exclusivo.
Ideais desde há muito presentes nas culturas europeia e mediterrânica, valorizados sobretudo pela exuberância ritualística conhecida durante o efémero sonho carolíngio, marcaram toda uma postura inerente ao culto dos altos valores da Honra, Lealdade e Defesa da Fé que ao cavaleiro cumpre, culto elevado a proporções de maravilha mercê da existência e acção das Ordens Religiosas Militares.
Surgem assim na Europa, desde o século XII, algumas referências literárias, musicais ou de outras formas de cultura, que exprimem as qualidades e virtudes de determinados Cavaleiros, dos seus feitos, dos traços de comportamento que se espera ver noutros cavaleiros, enfim, de toda uma Ordem muito própria onde impera a harmonia e o equilibrio de todas as coisas.
A Cavalaria está, desde a primeira hora, associada à própria História de Portugal: a Cavalaria Vilã, aristocracia não nobre e peça fundamental na consolidação do Poder real e na defesa do território, foi o sustentáculo do Fundador que nela procurou o apoio, furtando-se assim aos compromissos políticos com as casas senhoriais de Riba Douro; as Ordens Religiosas Militares, para quem o mesmo rei criou as condições de existência entre nós com vista a permitir a sua administração político-administrativa e militar das terras de Além-Tejo; o enorme potencial humano, espiritual e científico dos Cavaleiros de Cristo, importante matriz geradora da epopeia dos Descobrimentos, tão sabiamente aproveitado por D. Dinis.
Com a conquista de Ceuta, em 1415, abre-se toda uma nova dimensão para o exercício do espírito de Cavalaria que tanto condicionou a administração político-militar do Império, como deixou indeléveis traços na nossa cultura. O Cavaleiro cavalheiro ou a associação da ideia da Cavalaria com cortesia, expresso numa das maiores novelas de Cavalaria de todos os tempos - e de provável origem portuguesa - o Amadis de Gaula, nos Doze de Inglaterra e nos Lusíadas, constitui retrato fiel da presença oficial de Portugal no mundo; Império construído com o sangue e a inteligência dos nossos maiores, nele se revê a Cavalaria de Portugal, pelo desempenho da função militar e pelo espérito de missão, das almogavarias africanas até à India.
No acordar jovem e forte da Nação em 1640, deu a Cavalaria Portuguesa glória e brilho às páginas da história do Portugal restaurado, na metrópole e no Império, sucedendo-se as batalhas e actos heróicos em que se envolveu, irmanada com as nossas excelentes Infantaria e Artilharia, nunca permitindo que o nome de Portugal sofresse a humilhação da derrota sem honra.
Esteve a Cavalaria Portuguesa com o Marquês das Minas quando o arguto militar tomou Madrid em 1706...
Ainda no fecho do século de Oitocentos, teve a Cavalaria Portuguesa acção proeminente na defesa da África Portuguesa, nomeadamente em Moçambique. Mouzinho de Albuquerque, português verdadeiro, soube, com a dignidade e determinação que lhe eram conhecidas, mostrar que, como Cavaleiro, era intransigente na defesa da Honra: a da Pátria e a de sua Rainha, servindo ambas com igual denodo e abnegação.
O século XX trouxe as mais extraordinárias mutações tecnológicas e a Cavalaria sofreu as mais profundas transformações. A guerra moderna privou o cavaleiro da maior parte da sua razão de existir: o cavalo. Quebrou-se assim uma ligação milenar em que homens e animais, em perfeita harmonia, construíram a História durante séculos e séculos a fio. O cavalo, porventura um dos animais mais nobres e inteligentes que no mundo existe, foi a partir de então substituído pela máquina, pelo carro de combate que óbviamente o supera. Por tudo isto, o espírito de Cavalaria encontra-se hoje mudado, natural reflexo das rápidas mudanças culturais que a vida contemporânea impõe.
Foram esses carros de combate que na madrugada de 25 de Abril de 1974, saíram da E.P.C, sediada em Santarém, sob o comando de um jovem Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia, e em conjugação com as forças do MFA libertaram o povo português de uma tirania que durou 48 anos
A Cavalaria Portuguesa é depositária das mais altas e nobres tradições do nosso país, continuando ainda a ensinar ao jovem aspirante a Cavaleiro o seu dever de honra em ser o primeiro a dar combate ao inimigo. Vive, para honrar Portugal e em sua defesa fará sempre ecoar o grito AO GALOPE... À CARGA.

quarta-feira, maio 10, 2006

JUÍZO SOBRE A CAVALARIA EMITIDO POR UM INFANTE


" Dos pesados cavalos de armas que levavam os cavaleiros de Bouvins aos veículos de lagartas dos nossos modernos dragões, há vários séculos de esforços preserverantes na busca de uma maior velocidade e de um raio de acção mais extenso.
Dos impetuosos choques em que os corações batendo sob a armadura, os braços manejando lança e espada, decidiam a vitória, até às rígidas disciplinas do combate a pé, em que as metralhadoras e o canhão desempenhavam o papel principal, há um abismo que a Cavalaria não hesitou em ultrapassar para seguir mantendo a sua reputação. Também nesta forma de combate a Cavalaria afirmou o seu valor e a confirmá-lo estão os êxitos de Ysert, Kemmet e do Piemont.
Qual o sucesso de tão surpreendente vitalidade? É que, apesar da sua constante evolução, a Cavalaria conservou intacto o seu espírito.
Este espírito vem-lhe, em primeiro lugar, da sua ligação com o cavalo. A necessidade de dominar a todo o momento uma vontade viva de reacções bruscas e de várias espécies, dá ao Cavaleiro mais modesto, a audácia, a flexibilidade, o golpe de vista, a decisão rápida e o desprezo pelo perigo.
São estas qualidades que ela explora no campo de batalha. Habituada a amplos horizontes, a situações imprevistas e instáveis, o olhar e a inteligência sempre alerta, viu com naturalidade desenvolver-se nela a iniciativa, o amor pela acção. o espírito ofensivo.
Orgulhosa da sua missão secular de protecção às outras armas, considerando normal e justo o ser a primeira na ofensiva e a última na retirada, impôs-se como obrigação a abnegação e o sacrifício.
Por último, a todas estas virtudes soube juntar uma mais. Dos seus antepassados, os Cavaleiros conservam o sorriso, a simpatia, o amor pela glória, que em circunstâncias mais críticas, dá às suas acções uma nota particular de elegância e de nobreza.
EM SUMA É DE TUDO ISTO QUE É FEITO O ESPÍRITO CAVALEIRO."

( Marechal Pétain - 1931 )