
Mais do que uma forma de prestar uma determinada função militar, à Cavalaria sempre esteve associada, desde a Antiguidade, a ideia de uma Ordem espiritual, que assim a distinguia das restantes exigências da arte militar. Prática geralmente limitada à nobreza de uma sociedade - até por razões de ordem económica - a Cavalaria impunha todo um conjunto de rituais para os iniciados e um rígido código de valores que acentuavam o seu carácter exclusivo.
Ideais desde há muito presentes nas culturas europeia e mediterrânica, valorizados sobretudo pela exuberância ritualística conhecida durante o efémero sonho carolíngio, marcaram toda uma postura inerente ao culto dos altos valores da Honra, Lealdade e Defesa da Fé que ao cavaleiro cumpre, culto elevado a proporções de maravilha mercê da existência e acção das Ordens Religiosas Militares.
Surgem assim na Europa, desde o século XII, algumas referências literárias, musicais ou de outras formas de cultura, que exprimem as qualidades e virtudes de determinados Cavaleiros, dos seus feitos, dos traços de comportamento que se espera ver noutros cavaleiros, enfim, de toda uma Ordem muito própria onde impera a harmonia e o equilibrio de todas as coisas.
A Cavalaria está, desde a primeira hora, associada à própria História de Portugal: a Cavalaria Vilã, aristocracia não nobre e peça fundamental na consolidação do Poder real e na defesa do território, foi o sustentáculo do Fundador que nela procurou o apoio, furtando-se assim aos compromissos políticos com as casas senhoriais de Riba Douro; as Ordens Religiosas Militares, para quem o mesmo rei criou as condições de existência entre nós com vista a permitir a sua administração político-administrativa e militar das terras de Além-Tejo; o enorme potencial humano, espiritual e científico dos Cavaleiros de Cristo, importante matriz geradora da epopeia dos Descobrimentos, tão sabiamente aproveitado por D. Dinis.
Com a conquista de Ceuta, em 1415, abre-se toda uma nova dimensão para o exercício do espírito de Cavalaria que tanto condicionou a administração político-militar do Império, como deixou indeléveis traços na nossa cultura. O Cavaleiro cavalheiro ou a associação da ideia da Cavalaria com cortesia, expresso numa das maiores novelas de Cavalaria de todos os tempos - e de provável origem portuguesa - o Amadis de Gaula, nos Doze de Inglaterra e nos Lusíadas, constitui retrato fiel da presença oficial de Portugal no mundo; Império construído com o sangue e a inteligência dos nossos maiores, nele se revê a Cavalaria de Portugal, pelo desempenho da função militar e pelo espérito de missão, das almogavarias africanas até à India.
No acordar jovem e forte da Nação em 1640, deu a Cavalaria Portuguesa glória e brilho às páginas da história do Portugal restaurado, na metrópole e no Império, sucedendo-se as batalhas e actos heróicos em que se envolveu, irmanada com as nossas excelentes Infantaria e Artilharia, nunca permitindo que o nome de Portugal sofresse a humilhação da derrota sem honra.
Esteve a Cavalaria Portuguesa com o Marquês das Minas quando o arguto militar tomou Madrid em 1706...
Ainda no fecho do século de Oitocentos, teve a Cavalaria Portuguesa acção proeminente na defesa da África Portuguesa, nomeadamente em Moçambique. Mouzinho de Albuquerque, português verdadeiro, soube, com a dignidade e determinação que lhe eram conhecidas, mostrar que, como Cavaleiro, era intransigente na defesa da Honra: a da Pátria e a de sua Rainha, servindo ambas com igual denodo e abnegação.
O século XX trouxe as mais extraordinárias mutações tecnológicas e a Cavalaria sofreu as mais profundas transformações. A guerra moderna privou o cavaleiro da maior parte da sua razão de existir: o cavalo. Quebrou-se assim uma ligação milenar em que homens e animais, em perfeita harmonia, construíram a História durante séculos e séculos a fio. O cavalo, porventura um dos animais mais nobres e inteligentes que no mundo existe, foi a partir de então substituído pela máquina, pelo carro de combate que óbviamente o supera. Por tudo isto, o espírito de Cavalaria encontra-se hoje mudado, natural reflexo das rápidas mudanças culturais que a vida contemporânea impõe.
Foram esses carros de combate que na madrugada de 25 de Abril de 1974, saíram da E.P.C, sediada em Santarém, sob o comando de um jovem Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia, e em conjugação com as forças do MFA libertaram o povo português de uma tirania que durou 48 anos
A Cavalaria Portuguesa é depositária das mais altas e nobres tradições do nosso país, continuando ainda a ensinar ao jovem aspirante a Cavaleiro o seu dever de honra em ser o primeiro a dar combate ao inimigo. Vive, para honrar Portugal e em sua defesa fará sempre ecoar o grito AO GALOPE... À CARGA.